BATMAN – A REINVENÇÃO

Com sua concepção realista, Christopher Nolan reinventou a personagem Batman para o cinema. Depois das controversas adptações dirigidas por Tim Burton em Batman e Batman – O Retorno (cujo único legado realmente memorável é a libidinosa Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer), e das vergonhosas tentivas de prosseguir com a franquia, Batman Eternamente e Batman & Robin, feitas pelo carnavalesco Joel Schumaker, Nolan construiu um personagem humano, levando-o muito além do simples estereótipo de super-herói. Com sua visão realista do personagem, Nolan legou-nos uma obras que o equipara a Francis Ford Coppola e Peter Jackson, construindo uma das mais sólidas e coerentes trilogias da história do cinema. Ambos transportaram para a tela narrativas oriundas de outras mídias: os livros de Mario Puzzo (no caso de O Poderoso Chefão) e de J. R. R. Tolkien (no caso de O Senhor dos Anéis).





Desde o primeiro filme (Batman Begins, 2005) Nolan destacava certos elementos, como se quisesse sublinhá-los para que o espectador-leitor mantivesse sempre em mente, especialmente em algumas falas e diálogos de que se tornaram emblemáticas. O elemento primordial que permeia toda a concepção original do personagem e que será magistralmente explorado pelo diretor - com indagações profundamente filosóficas - é a máscara e toda a simbologia que ela enseja. Todos usam ou usarão máscaras, para esconder não apenas sua verdadeira identidade, mas para ocultar também suas reais intenções.

No mais do que empolgante Batman Begins o cineasta narra com  exemplar paciência - sem comprometer em nenhum momento o ritmo e a ação – a origem do personagem, isto é, como e, principalmente, por que Bruce Wayne se tornou o homem-morcego. A razão de cada elemento que compõe o herói está lá, explicada com lógica num roteiro minucioso: a capa, o uniforme, o cinto de utilidades, a máscara, as orelhas, a batcaverna... enfim. 




Nenhum elemento é ornamental, todos tem sua função e utilidade explicitadas. O roteiro, aliás, não é apenas minucioso. É também brilhante e inteligente. A ação não se limita às cenas de luta e de perseguição (que são primorosas), tendo espaço também nos diálogos. As falas das personagens não são apenas palavras enfileiradas: são armas. Destaque para uma que já se tornou icônica: “não leu o memorando?”. A mais importante delas, no entanto, é dita pelo mordomo Alfred: "Por que caímos, mestre Bruce? Para que aprendamos a nos levantar!". O conceito de "queda e ascenção" contido nesta simples frase ecoará e dará o tom de toda a trilogia, haja visto que o título do 3 filme é O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Ressurge, que no orignal inglês é Rises pode também significar "reergue-se" ou "levanta-se". Assim, temos um prenúncio de que o herói terá que aprender a se re-erguer, ressurgindo sempre mais forte após trágica e dolorosa queda.

Há uma cena neste Batman Begins onde Bruce Wayne sai pelas ruas de Gotham em seu conversível, à paisana, ladeado por duas belas mulheres, esbanjando dinheiro, ostentando seu luxo e posando de playboy arrogante e frívolo. Num restaurante ele encontra sua amada Rachel Dawes (Katie Holmes) e praticamente a esnoba. Sabemos ele está fingindo, sabemos que ele está dissimulando seus sentimentos, sua personalidade, suas preocupações. Mas por que? Ora, porque Bruce Wayne não pode nunca ser associado ao homem-morcego, porque a descoberta de sua faceta heróica colocará em risco aqueles que ele ama. Porque Bruce Wayne já teve sua persona de tal modo obliterada por tudo o que ele viveu e passou que ele não pode mais viver em sociedade sendo autêntico. Porque ele tornou-se de tal modo Batman que, para não sê-lo, é preciso vestir outra máscara.





O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight) carrega consigo a ingrata missão – cumprida com louvor – de superar o filme anterior. Grande parte do mérito do filme é creditada à arrasadora performance de Heath Ledger como o Coringa. Há, nesta visão uma certa injustiça. Ora, a atuação de Heath é sim um espetáculo, podendo ser considerada (isso sim com total justiça) o melhor vilão de história de super-herói  já encarnado no cinema. Deixa, sem nenhuma dificuldade, a versão de Jack Nicholson no chinelo. Prova disso são os inúmeros prêmios** conquistados pelo ator (que faleceu antes da estréia) por esta interpretação. No entanto, tudo no filme é impecável e digno de louros: a direção segura e ousada de Nolan, roteiro genial, a atuação do elenco (incluindo agora Aaaron Eckhart e Maggie Gyllenhaal), a fotografia, a montagem, a trilha sonora, a maquiagem... Ao assisti-lo tem-se a certeza de que o que se vê não é um apenas filme de super-herói. É muito mais do que isso. É uma profunda análise do ser humano. A questão que se coloca o tempo todo é a seguinte: nós, humanos, somos seres racionais e civilizados, dotados de instintos animais, ou somos na verdade animais, tomados por instintos incontroláveis, que se escondem por trás de uma máscara de racionalidade e civilidade? Neste ínterim, tudo é colocado em cheque: a moral, a ética, a razão, o livre-arbítrio, a ordem social, as leis, a honra... As palavras, por sua vez, continuam sendo empregadas armas, como numa das cultuadas falas do Coringa: 
"Eu acredito que, tudo o que não te mata, te deixa mais estranho."
"Se você é bom em alguma coisa, nunca a faça de graça."
"A loucura é como a gravidade: só precisa de um empurrãozinho."

No terceiro e último filme (já que Nolan e Bale já disseram que não voltarão ao personagem) da Trilogia, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, há um diálogo entre Bruce Wayne e o jovem policial Blake (Joseph Gordon-Levitt) sobre máscaras, medos e rancores. Esse diálogo, junto com aquela cena em que Bruce, no primeiro filme, se faz de playboy com duas belas mulheres e esnoba sua amada Rachel Dawes, parecem propor e solidificar uma questão: Será Batman uma máscara envergada por Bruce Wayne para combater o mal, ou será Bruce Wayne a máscara na qual se aquele é o Batman se esconde e sem mostra ao mundo? Em última análise, essa questões poderia se colocar desse modo: Afinal, quem é esse sujeito que sai à noite vestido de negro caçando criminosos?



Essas máscaras, com já foi dito acima, não são usadas apenas por Wayne/Batman. O próprio policial Blake, que assim com Bruce é órfão, se revelará possuidor de uma, pois sua identidade real é outra. O mesmo se pode dizer de Celina Kyle (Anne Hathaway), que assumirá a  máscara da Mulher-Gato, e Miranda Tate (Marion Cotillard), cuja máscara só cairá nos minutos finais do filme. Mas, ao fazê-lo, no entanto, ela mostrará sua relevância na narrativa, pois fará com a máscara do vilão Bane (Tom Hardy) também caia. Descobrir que é e o que pretende o misterioso vilão é o que moverá a trama até, mais ou menos, sua metade. Numa fala importante, na primeira sequência do filme (ou sequestro do avião), determinado personagem perguntará a Bane quem são ele e seus comparas, ao que ele responde: "Não importa quem nós somos. Importa o que nós pretendemos fazer". 

Na sequencia mais aterradora do filme, Batman descerá até os subterrâneos de Gotham, guiado pela Mulher-Gato, para confrontar o vilão. Bane, como se verá, é um sujeito enorme, cheio de músculos, mas não é um mero brutamontes acéfalo. Ele é inteligente e articulado, capaz de incutir simultaneamente respeito e temor. Usando uma estranha máscara e tendo uma voz estranhamente inumana, ele travará com Batman uma luta agoniante, filmada espartanamente por Nolan, sem quaisquer artifícios, com câmera lenta ou trilha musical. O embate entre os dois é, por assim dizer, cru, cego, desolador e violentíssimo. Essa opção do cineasta contribui de forma significativa para aumentar o impacto do duelo e levar o espectador à perplexidade quando, ao final, Bane conseguir subjugar o herói. Para Gothan, assim como para o espectador, o chão parecerá ter sumido ter sido implodido debaixo dos pés e o fim, inevitável. Terá o mal triunfado?




O elenco, por fim, que inclui nomes indicados e premiados com o Oscar *, é de fazer inveja e confere à obra ainda mais qualidade e credibilidade: Heath Ledger, Michael Caine, Morgan Freeman, Gary Oldman, Liam Neeson, Tom Wilkinson, Ken Watanabe, Rutger Hauer, Marion Cotillard, Maggie Gyllenhaal Katie Holmes e o formidável Christian Bale. 

* Michael Caine: Premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1986 por Hannah e suas irmãs, e em 2000 por Regras da Vida.  Indicado como Melhor Ator em 1967 por Alfie – Como Conquistar as Mulheres, em 1973 por Jogo Mortal e em 2003 por O Americano Tranquilo.

*Morgan Freeman: Premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2005 por Menina de Ouro. Indicado como Melhor Ator em 1990 por Conduzindo Miss Daizy, 1995 por Um Sonho de Liberdade e 2010 por Invictus; e indicado como Melhor Ator Coadjuvante em 1989 por Armação Perigosa.

*Liam Neeson: Indicado como Melhor Ator em 1994 por A Lista de Schindler.

*Tom Wilkinson: Indicado como Melhor Ator em 2002 por Entre 4 Paredes  e em 2008 por Conduta de Risco.

*Ken Watanabe: Indicado como Melhor Ator Coadjuvante em 2004 por O Último Samurai.

*Christian Bale: premiado em 2011 como Melhor Ator Coadjuvante por O Vencedor.

* Marion Cotillard: vencedora do Oscar de Melhor Atriz em 2007 por Piaf

** Heath Ledger recebeu o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante em 2008 do Oscar, do Globo de Ouro, do Sindicato dos Atores (SAG), do Bafta, entre outros. O filme Batman – O Cavaleiro das Trevas teve 8 indicações ao Oscar em 2008, e foi premiado também nas categorias de Edição de Som e Mixagem de Som.


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