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Eu me lembro

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A primeira coisa que me chama a atenção nessa obra-prima de Alain Resnais é a metalinguagem. Quando indagada sobre o que faz no Japão, a protagonista Elle (Emmanuelle Riva) diz que está fazendo um filme sobre a paz. Depois da primeira noite de amor com Lui, o arquiteto japonês (Eiji Okada), Elle retorna o set onde o tal filme está sendo gravado e as pessoas e objetos que vemos compondo esses bastidores são os personagens coadjuvante da ação que se passa. Quando estes coadjuvantes se colocam em ação em uma marcha de protesto contra a guerra e contra as armas nucleares, tanto Elle quanto Lui se tornam parte da cena, ora como espectadores que assistem a marcha, ora entrando no meio dela. Mas entrando em sentido contrário, como se buscassem outra outra narrativa, um outro filme, que não seja apenas sobre a paz ou contra as guerras, mas sobre o amor, sobre a morte, sobre fim, sobre esquecimento, sobre memórias... Este aparente conflito de narrativas na verdade oculta uma relação dia

Escravidão Sintética

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A premissa dos dois Blade Runner é a seguinte: Num "futuro" em que as Empresas Multinacionais se tornaram mais poderosos que os Estados Nacionais, humanos convivem com réplicas sintéticas produzidas por nanotecnologia celular, conhecidos como "replicantes". A democracia capitalista passou a aceitar e a conviver com um novo tipo de escravidão. Como não são considerados humanos (apesar da semelhança), não possuem direitos, o que permite que sejam escravizados de todas as formas. Uma dessas formas de escravidão é uma certa "vida útil" ou "prazo de validade", com os quais esses seres não humanos já nascem, tornando-sua existência predeterminada, inclusive com data marcada para nascer e morrer. Literalmente. Foram criados para serem escravizados. São dotados de força e resistência supra-humanas e poderiam ser livres, se quisessem. Se tivessem consciência de que são escravos. Se se unissem e se organizassem. Poderiam ser imortais, mas nasceram

Eros e Psiquê

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Esopo, fabulista grego, conta-nos que, certa vez o deus do Amor, Eros (ou Cupido, para os romanos), adormeceu em uma caverna, embrigado pelo deus do Sono, Hipnos. Este era irmão gêmeo de Tanatos, deus da Morte. Ao cair em sono, Eros deixou que suas flechas caíssem, misturando-se à algumas de flechas de Tanatos que estavam no chão da caverna. Quando acordou, Eros recolheu suas flecha, mas algumas flechas de Tanatos acabaram indo junto. Deste modo, Eros passou a portar tanto flechas de amor quanto de morte. A linha que separa amor e morte é, segundo estes mitos, tênue. Os mitos greco-romanos serviram de inspiração para Freud elaborar alguns conceitos-chave de sua teoria psicanalítica. Baseado em Eros e Tanatos, Freud desenvolveu os conceitos de "estímulo ou pulsão de vida" e "estímulo ou pulsão de morte". Representações psíquicas complexas, as pulsões de vida e de morte seriam, para Freud, algo que nos impele em determinada direção, pois possuem um objeto (Objekt),

Fantasias Paralelas

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Quem a pensa que a única semelhança entre filmes de Guillermo Del Toro é a presença de monstros e seres mágicos em uma história repleta de fantasia e imaginação, precisa olhar a obra do diretor mais a fundo. Neste texto, proponho analisarmos as semelhanças entre os dois melhores filmes do diretor até aqui: O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno, 2006) A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) A inspiração Em primeiro lugar, enquanto O Labirinto do Fauno o roteiro faz uma releitura de Alice no País das Maravilhas, em A Forma da Água o diretor parece se inspirar em A Bela e a Fera para escrever seu roteiro. O contexto histórico O primeiro filme se passa na Espanha durante a Guerra Civil, durante a qual aquele país estava dividido entre os apoiadores do General Francisco Franco (conservadores, falangistas e fascistas), e seus opositores (socialistas, comunistas e anarquistas). Por seu turno, o segundo filme se passa nos Estados Unidos durante a Guerra Fria, na qual boa part

Um certo homem errado

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Como mostrou o historiador britânico Eric Hobsbawm na obra A Era dos Extremos, mesmo não havendo dúvidas de Hitler fosse um tirano e que ele representasse uma ameaça às potências imperialistas europeias, remanescentes do século XIX e que não haviam sucumbido à Primeira Guerra, é fato de que essas potências, isto é, Inglaterra e França, fizeram de tudo para evitar que a Segunda Guerra começasse, uma vez que, para seus governantes e seu povo, as cicatrizes da Primeira Guerra ainda eram bastante vívidas. No capítulo 5, ele diz: "Em suma, havia um amplo fosse entre reconhecer as potências do Eixo como um grande perigo e fazer alguma coisa. [...] Contudo, o que enfraqueceu a decisão das principais democracias europeias, a França e a Grã-Bretanha, não foram tanto os mecanismo políticos da democracia, quanto a lembrança da Primeira Guerra Mundial. [...] Tanto para a França quanto para a Grã-Bretanha, esse impacto, em termo humanos (embora não materiais), foi muito maior do que se revel

Uma Mulher contra a Casa Branca

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Katherine Graham (Meryl Streep) tornou-se editora-chefe do The Washington Post após a morte de seu marido Phil Graham, sendo, então, a primeira mulher a ocupar tal posto nos EUA - e provavelmente no mundo. No começo da década de 1970, o analista do Pentágono Daniel Ellsberg vazou documentos secretos conhecidos vulgarmente como "Pentagon Papers", um estudo preparado pelo Departamento de Defesa a pedido do então secretário de Defesa, Robert MacNamara. Inicialmente os papéis vão parar nas mãos dos jornalistas do New York Times. Quando este publica os primeiros artigos revelando o conteúdo dos documentos, a Casa Branca entra em ação em consegue que a justiça o proíba de seguir divulgando as informações. Posteriormente o jornal The Washington Post, chefiado por Graham, consegue ter acesso aos documentos. É então que ela, que havia recentemente decidido colocar as ações da empresa na Bolsa de Valores, precisa se decidir se seu jornal irá publica-los ou não, tendo me vista sua amiza

O anti-Custer

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Muito se disse e ainda se dirá sobre a assombrosa e exuberante fotografia desde clássico de John Ford. Muito foi dito também sobre sua trilha sonora, sobre a atuação lúgubre e crepuscular de John Wayne, ou sobre a deliciosa cena da briga no bar o perfeitamente irlandês Sgt. Quincannon (Victor McLaglen, ex-pugilista) é pivô. No entanto, de todas as maravilhas que que Ford nos entrega em Legião Invencível (She Wore a Yellow Ribbon, 1949), me interessa particularmente a crítica que ele tece ao lendário General Custer traçando um paralelo entre ele, um personagem real, mas ficcionalizado pela mitologia criada em torno dele, e o ficcional Capitão Nathan Cutting Brittles, protagonista do filme, cujo roteiro humaniza magistralmente na medida que expõe suas idiossincrasias. Funciona como perfeito contraponto à f antasiosa biografia de Custer dirigida por Raoul Walsh . George Armstrong Custer (1839 – 1876) foi um oficial do exército estadunidense que lutou na de cavalaria durante a Guerra