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Mostrando postagens de 2017

No peito dos desafinados também bate um coração...

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O filme vale pela precisa atuação de Meryl Streep, equilibrando com perfeição humor e drama. Por causa dela, nos afeiçoamos à Florence e, se rimos nos momentos que ela tenta cantar, também nos deixamos contagiar por seu genuíno amor pela música. Os dramas reais pela qual a verdadeira Florence Foster Jenkins (1868—1944), passou, são habilmente explorados pelo roteiro, o que faz com criemos ainda mais empatia para com a personagem. Talvez o pior deles seja ter contraído sífilis, na noite de núpcias, com seu marido, o Dr. Frank Thornton Jenkins. Quando se casaram, em 1885, ele tinha 33 anos. Ela tinha apenas 17 anos. Quando criança Florence iniciou carreira na música como pianista, apresentando-se como “Little Miss Foster”.Chegou inclusive a dar um recital na Casa Branca durante o governo do Presidente Rutherford B. Hayes. Em consequência de sua doença, que ataca o sistema nervoso, tocar piano ficou cada vez mais difícil. Como o tratamento disponível à época incluía a ingestão de merc

No fundo, no fundo...

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Scorsese, que quando criança queria ser padre, faz aqui mais um belíssimo e provocante auto-de-fé, muito semelhante, nas questões que provoca - e que vão além do tema da verdade da fé e de suas manifestações - ao A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, 1988), que ele mesmo dirigiu, cerca de 30 anos atrás. Em essência, ambos tratam da compreensão que se tem da fé que se tem, das escolhas, concessões e sacrifícios feitos em nome dela e do modo como ela é professada e vivida por cada pessoa. A questão mais pertinente aqui gira em torno da apostasia, que é a negação da fé, tal o apóstolo Pedro que negou Cristo por três vezes antes do galo cantar. Até que ponto sofrer e morrer pela fé para não negá-la é necessário se, ao morrer na cruz Cristo teria pago por todos os nosso pecados? Não seria melhor negar a fé e pecar, sofrendo a culpa como um martírio, mas certo do perdão que o sacrifício do Cristo legou? Aceitar o pecado, a condição de pecador, é prova de fé, sus

Amar, verbo intransitivo

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O filme não é uma ficção científica ao estilo Christopher Nolan (como Interestellar) na qual que tudo segue uma lógica científica e possui uma explicação. É uma espécie de parábola, um conto moral, mas em forma de ficção científica. Tudo tem um sentido metafórico, e a crítica, cheia de ironia e sarcasmo, do filme é direcionada à muitos aspectos de nossa vida. Eu destacaria 5 pontos: 1) nossa dificuldade em nos relacionar com as diferenças, nossa necessidade de nos encaixar em padrões para sermos aceitos ou de buscar pessoas que se encaixem em padrões que nós preestabelecemos; 2) essa necessidade de nos encaixar em padrões nos divide, de acordo com os padrões criados, como, por exemplo, ser solteiro, se casado, 3) os que optam por ser solteiros e os que optam por casados tendem a defender seu modo de vida, apregoa-lo como o ideal, enxergam o outro como um fracassado, alguém que não "deu certo na vida"; 4) a pressão social (Durkheim chamou de Fato Social) por nos casarmos q

Maior abandonado

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Baseado numa história real, com o roteiro inspirado no livro de John Krakauer - o mesmo autor do livro que inspirou o filme Everest (2015), também baseado em uma história real - este filme marcante é dirigido com notável maestria pelo também ator Sean Penn, ganhador de 2 Oscar. O elenco é formidável (destaque para Hal Holbrook, como o solitário Ron Franz), a fotografia é espetacular, a edição é ágil, sem ser frenética, e a trilha sonora é uma das que eu mais amo. O modo como o diretor Sean Penn explora as idiossincrasias do protagonista, suas feridas, dúvidas, anseios, mágoas, é exemplar, pois consegue nos dar a medida de sua obliteração interna. Christopher "Supertramp" McCandless era um jovem idealista, que cresceu em um lar disfuncional - uma típica familia de classe média norte-americana, com sua fachada aparentemente perfeita contrastando com o interior em decomposição. A inadequação do personagem frente uma realidade social baseada em aparências, em individualismo e

PigmaLou ou My Fair Sally?

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Parece um filme sobre o crime organizado e a máfia. Parece um filme sob cassinos. Parece um filme sobre tráfico de drogas. Na verdade estes são apenas pano de fundo para uma outra narrativa. O que o cineasta Louis Malle faz neste notável filme é contar uma história torta e na ortodoxa sobre redenção, sobre o drama da finitude, sobre pessoas se apegam ao que (a chance de um futuro promissor, ou volta a um glorioso passado) consideram ser a última chance de confrontar e vencer o fracasso, e sobre a relação dialética entre o velho e o novo, entre o passado e o presente. Sally (Susan Sarandon) é a moça ambiciosa do interior que se casou com um jovem irresponsável e imaturo para tentar vida nova na cidade grande. Para sua infelicidade, a cidade para qual se dirige é a - outrora agitada e badalada - agora decadente Atlantic City. Abandonada pelo marido, que a trocou pela irmã mais nova, ela trabalha no buffet do restaurante de uns cassinos que são cada vez mais numerosos na cidade, e tenta

As Invasões Ideológicas

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Rémy: Nós fomos tudo: separatistas, partidários de independentistas, soberanistas, soberanistas-associados ... Pierre: No início, éramos existencialistas. Dominique: Lemos Sartre e Camus. Claude: Então Fanon, nós nos tornamos anticolonialistas. Rémy: Lemos Marcuse e nos tornamos marxistas. Pierre: Marxistas-leninistas. Alessandro: Trotskistas. Diane: Maoístas. Rémy: Depois de Solzhenitsyn mudamos, tornamo-nos estruturalistas. Pierre: Situacionistas. Dominique: Feministas. Claude: Desconstrucionistas. Pierre: Há algum “ismo” que não adoramos? Claude: Cretinismo. Perto do final do filme canadense As Invasões Bárbaras , o diretor e roteirista Denis Arcand nos brinda com esse diálogo cheio de ironia e uma pitada de amargura. Nele, concentrado, depurado, podemos perceber toda a carga pós-modernista que o filme, em sua visão de mundo e em sua crítica das ideologias, possui. Como Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) descreve, é: “O pós-moderno

A palavra e a coisa

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O título "O Nome da Rosa" refere-se diretamente a uma das maiores, mais fascinantes e mais insolúveis questões filosóficas: o abismo que separa a palavra e a coisa, o discurso e a realidade. A palavra é o nome dado à coisa. Coisa é o nome (palavra) dado à algo. Mas "algo" também é uma palavra. Dizer, falar, escrever é nomear algo. Lidamos com a realidade por meio de nomes, ou seja, de palavras. Até quando pensamos, pensamos por meio de palavras. Palavras: o, nome, da, rosa. O nome da rosa. Apenas palavras. E até que ponto as palavras dão conta da realidade? Poderiam os nomes abarcar a totalidade da coisa, do ser, do ente que elas nomeiam? A palavra, por seu turno, passa pela boca, assim como o riso, a comida e -por que não? - o sexo. No mosteiro católico, no qual a história se passa, todos eles - o riso, a comida, o sexo e a palavra - são, ao seu modo, vistos como fonte de pecado e perdição. O contexto histórico no qual a narrativa se desenrola é a Idade Média, em

Vem aí DUNKIRK!

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A crítica e e o público internacionais estão amando o filme até o momento. No Rotten Tomatoes a cotação do filme é 99% até o momento, de 21,957 avaliações realizadas pelos usuários, enquanto no IMDB , o índice de aprovação é de 98%. Leia abaixo algumas críticas já publicadas: "Dunkirk é fantástico. Incrivelmente empolgante do primeiro ao último segundo. Um filme dramático, repleto de suspense e tensão. Fãs de Nolan, alegrem-se. E para aqueles que estão perguntando: Harry Styles está muito bem em Dunkirk, uma surpresa muito agradável." (Anna Klassen) "Em apenas 30 segundos, Nolan entrega mais uma vez uma sequência inicial espetacular que coloca o público na ponta da cadeira. E a tensão só aumenta. Da direção à edição à fotografia à trilha sonora, Christopher Nolan prova, com Dunkirk, que é um dos maiores cineastas de nossos tempos. Caótico, impiedoso e empolgante, o filme é um dos mais cativantes que você verá neste ano. Uma master class de direção. Que espetácu

Glória Tardia

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Preste atenção: na obra de todo grande cineasta, há determinadas temáticas ou questões que sempre subsistem, que estão por trás de tudo e tornam coesa mesmo uma obra caracterizada por filmes que aparentam não terem nada em comum uns com os outros além daqueles aspectos estéticos que são a marca mais visível de todo grande diretor. Já me dediquei aqui, no Filmow, e em meu blog, a desvendar quais são as questões e temas que afligem estes artistas, a deslindar os segredos contidos no profundo suas narrativas. No caso de Clint Eastwood, esses temas ou questões presentes em todos os seus filmes são: 1 - Finitude e Livre Arbítrio. Personagens que se defrontam com algo tipo de fim (com a morte, a velhice, a separação, etc) e com as escolhas que ele deverá fazer por causa desse ''confronto''. 2 - Obstinação e Redenção. Personagens que se deparam com aquela que eles acreditam ser a grande chance (de ser feliz, de ter sucesso, de realizar um sonho, de se vingar, etc) de suas

Não adulterarás!

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Em mais um trabalho primorosamente escrito e magistralmente dirigido e interpretado, o cineasta iraniano Asghar Farhadi, junto a alguns de seus atores costumeiros, especialmente o soberbo Shahab Hosseini, nos presenteia com mais um grande filme. Desta vez, em O Apartamento (2016), ele conta a história de Emad (Hosseini), um professor e ator, que junto com sua esposa Rana (Taraneh Alidoosti), se mudam à pressas para um apartamento depois que o prédio onde moravam começa a desmoronar por causa de uma obra num terreno vizinho. Lá, uma tragédia acontecerá, mudando os rumos da vida do casal colocando-a em rota de colisão com a vida de outros personagens que serão revelados ao longo da narrativa. No filme, Emad e Rana são os protagonistas de uma adaptação teatral de "A morte de um caixeiro-viajante", a clássica e renomada peça escrita por Arthur Miller no final da década de 1940. A peça, por seu turno, conta a história de Willy Loman, um homem já idoso que, amargurado, lamenta os

O milagre veio do espaço

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Em um texto anterior escrito sobre o filme Sicario (2015) e publicado no Filmow e aqui neste blog eu havia afirmado que os filmes do diretor Denis Villeneuve, apesar de tematicamente distintos, possuíam um estrutura muito semelhante, que conferia coesão à sua obra e que podia ser depurada em alguns pontos. O primeiro deles é o protagonista, que entrará em uma realidade desconhecida e estranha e que sairá dela completamente modificado ou devastado. No caso de Incendies (2010), os irmãos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), que ingressarão em uma jornada para reconstituir a história e sua mãe e por consequencia a deles mesmos. No caso de Prisioners (2013), o pai amargurado e vingativo Keller Dover (Hugh Jackman). Já em Sicario quem cumpre essa função é a agente Kate (Emily Blunt). Neste Arrival, este papel é desempenhado pela linguista Dra. Louise Banks, interpretada por Amy Adams. O segundo ponto diz respeito a um segundo personagem que também adentrará nes

Sigam o coelho negro!

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"- Por que está usando essa fantasia estúpida de coelho? - Por que você usa essa fantasia estúpida de homem?", é um dos diálogos entre um homem inexpicavelmente fantasiado de coelho e joven Donnie Darko em uma das cenas do filme. Este homem vestido como coelho, aliás, semelhantemente ao coelho branco, do clássico Alice no País das Maravilhas, que sempre grita para Alice que está atrasado, está sempre alertando Donnie sobre uma hora fatídica que se aproxima. Enxergo este filme como uma releitura das histórias de super-heróis, como nos mais ótimos Corpo Fechado (Unbreakable, 2000) e Drive (Drive, 2011), questionando como seria se realmente existissem algumas pessoas dotadas de super-poderes, sem que elas se vestissem ou se portassem como os super-heróis tradicionais, ou mesmo se elas sequer se considerassem tal coisa ou se não fossem vistos como tais pelo resto das pessoas. Meras ''pessoas comuns'', que não usam disfarce ou dupla identidade, com poderes que o