A Catequisação dos Inocentes

"Você entendeu a parte que diz que a ciência não prova nada?", diz, em certo momento, uma mãe ao seu filho Levi, de cerca de 12 anos. Levi, assim como seu irmão, tem aulas em casa, com os pais, que optaram por não matricula-los em escolas. A mãe justifica dizendo que não nenhuma passagem na Bíblia dizendo que os pais devam entragar seus filhos, 8 horas por dia, para serem ensinados fora de casa. Em seguida Levi diz: "Eu acho que Galileu fez a coisa certa escolhendo Deus em vez da ciência."

Esqueçam, portanto, os filmes de Terror. Esse é de longe a coisa mais assustadora que já assisti. Nesse brilhante e impactante documentário, as diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady revelam a rotina de um acampamento para evangelização de crianças e adolescentes cristãos no EUA.

As cenas da lavagem cerebral e da tortura emocional e psicológica às quais meninos e meninas são submetidos é totalmente chocante pra o espectador que tiver o mínimo de bom senso. Apesar disso, é um filme obrigatório para se debeter o fanatismo religioso e as ameaças à laicidade do estado.

Em certo momento do filme, a pastora Becky Fischer, criadora do acampamentos "Crianças em Chamas" (sim, esse é o nome), localizado, ironicamente, em Devil's Lake (ou Lago do Diabo), na Dakota do Norte, diz ao cinegrafista: "Eu posso ir em um playground de crianças que não sabem nada sobre o cristianismo, levá-los para o Senhor em questão de [pausa] apenas pouco tempo... e poucos minutos depois, eles já começam a ter visões e ouvir a voz de Deus, porque eles [as crianças] são tão abertos. Eles são tão úteis no cristianismo!"

Tal afirmação diz muito sobre o caráter opressor e manipulador que a catequização realizada por Becky tem sobre essas crianças, adolescentes e até mesmo adultos. No começo do documentário, ela diz: "Não é de admirar, com esse tipo de treinamento intenso e disciplinado, que esses jovens estão prontos para se matar pela causa do Islã. Eu quero ver os jovens que estão tão comprometidos com a causa de Jesus Cristo como aqueles jovens estão à causa do Islã. Eu quero vê-los colocando radicalmente as suas vidas para o Evangelho como eles fazem no Paquistão, em Israel, na Palestina e 'todos esses lugares diferentes, você sabe, porque temos... desculpe-me, mas nós temos [referindo-se às crenças cristãs e à Bíblia] a verdade!"

Ao final do documentário, o pastor Ted Haggard proclama aos seus fiéis: "Nós decidimos que a Bíblia é a palavra de Deus. Não precisamos fazer uma Assembléia Geral sobre o que acreditamos. Está escrito na Bíblia. Por isso não precisamos debater o que pensamos sobre as relacões homossexuais. Está escrito na Bíblia.". Em outro momento, após culto, ao falar com entusiasmos sobre os crescimento vertiginoso de cristãos nos EUA, ele diz ao cinegrafista: "Se os evangélicos votarem, eles determinarão a eleição".

Tendo isso em mente, lembrem-se que Feliciano e Bolsonaro defendem projeto de lei que previa o ensino de Criacionismo nas escolas. Lembrem-se que eles, assim como outros membros da Bancada Evangélica, usam a Bíblia como argumento para barrar leis favoráveis à união homoafetiva e o aborto. Lembrem-se que o projeto de lei Escola sem Partido, além de proibição o debate de temas políticos em sala de aula, também proibe a abordagem de assuntos como Diversidade Religiosa.

Essa realidade, portanto, aparentemente distante de nós brasileiros, é na verdade uma ameaça cada vez mais presente, se nos lembrarmos dos discursos de pessoas como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro (que recentemente passou a integrar a Bancada Evangélica e filiou-se o PSC, o Partido Social Cristão), Magno Malta, Eduardo Cunha, entre outros. O Estado Laico e o direito à diversidade religiosa e sexual estão seriamente ameaçados pelo crescimento desse tipo de vertente religiosa fanática e pela sua intromissão - cada vez mais determinada - na política.

ACAMPAMENTO DE JESUS (Jesus Camp, 2006)
Direção: Heidi Ewing e Rachel Grady
Indicado ao Oscar de Melhor Documentário

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