O milagre veio do espaço

Em um texto anterior escrito sobre o filme Sicario (2015) e publicado no Filmow e aqui neste blog eu havia afirmado que os filmes do diretor Denis Villeneuve, apesar de tematicamente distintos, possuíam um estrutura muito semelhante, que conferia coesão à sua obra e que podia ser depurada em alguns pontos.

O primeiro deles é o protagonista, que entrará em uma realidade desconhecida e estranha e que sairá dela completamente modificado ou devastado. No caso de Incendies (2010), os irmãos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), que ingressarão em uma jornada para reconstituir a história e sua mãe e por consequencia a deles mesmos. No caso de Prisioners (2013), o pai amargurado e vingativo Keller Dover (Hugh Jackman). Já em Sicario quem cumpre essa função é a agente Kate (Emily Blunt). Neste Arrival, este papel é desempenhado pela linguista Dra. Louise Banks, interpretada por Amy Adams.

O segundo ponto diz respeito a um segundo personagem que também adentrará nessa realidade, mas que já a conhece e de certo modo a domina. Ele já passou pela fase do choque, do estranhamento e da perplexidade. Já está moldado e, de certo modo, age friamente ao que presencia. No caso de Incendies (2010), é a mãe, a "mulher que canta" (Lubna Azabal). No caso de Prisioners (2013), o policial Loki (Jake Gyllenhaal). Em Sicario (2015) ele é encarnado pelo agente (Matt Graver).

Já em Arrival o diretor subverte a lógica criada por ele mesmo, de modo que esta função é cumprida também pelo personagem de Amy Adams, na medida em que, ao aprender a linguagem usada pelos alienígenas, sua percepção do tempo e da realidade é alterada. A oposição entre uma visão linear e um circular do tempo são imprescindíveis para entender essa parte, bem como o resto do filme.

O terceiro ponto corresponde a um terceiro personagem que esconde um mistério que é a chave para desvendar - ao menos em parte - a trama que o personagem principal só desvendará no final. É o irmão e o pai perdidos que deverão ser encontrados pelos irmãos em Incendies; o tia (Melissa Leo) idosa e misteriosa do principal suspeito em Prisioners; e o ex-promotor mexicano (Benicio Del Toro) em Sicario. Em Arrival, subvertendo mais uma vez essa lógica, este papel é desempenhado tantos pelos alienígenas, quanto pela protagonista Amy Adams, pois tanto a linguagem nativa dos visitantes extraterrestres, quanto as mudanças que o aprendizado dela provocarão na Dra. Louise.

A busca por vingança ou justiça (com as próprias mãos) era o que motivava um ou mais personagens na trama dos filmes anteriores do diretor, se constituindo no quarto ponto da estrutura aqui explicada: é a busca da "mulher que canta" pelo homem que a estuprou na prisão, em Incendies; é a caça ao homem que sequestrou sua filha, por parte dos pais em Prisioners; ou a procura do ex-promotor pelo chefão do tráfico de drogas que assassinou cruelmente sua família, em Sicario. Em Arrival, porém, o que move a Dra. Louise Banks é a busca por conhecimento, a sedo pelo novo, o desejo de entrar em contato com o desconhecido.

Por fim, o quinto ponto seriam as crianças como representação da pureza e bondade, em contraste com o mal circundante que as ronda e ameaça. Esse mal é criado pelos adultos mas mesmo alguns deles não tem suficiente preparo (ou cicatrizes e feridas) paara lidar com ele. Ao final, só mesmo os ''lobos'' - que o o personagem de Del Toro cita no final de Sicario - é que tem o necessário ''knowhow'' para transitar nessa realidade obscura.

Em Arrival, porém a criança está lá, como a filha da Dra. Louise, mas é dupla de alienígenas carinhosamente apelidade de Abbott e Costello que representa os ideais de pureza, bondade, compaixão, elevação e evolução espiritual. O mal, é criado também pelos adultos, mas o contraste aqui não é entre adultos e crianças, mas entre alienígenas e humanos. Logo, o ser humano a priori, representaria a maldade, a violencia, o desejo de controle e posse, as guerras, o belicismo, a agressividade. Porém, o filme não cai na armadilha de se entregar ao maniqueísmo que visões binárias de mundo oferecem, de modo que o roteiro permite aos seres humanos a redenção e a evolução, num sentido amplo e rico.



O defeito do filme, porém, é o modo apressado com o qual o desfecho acontece. O modo como os problemas são resolvidos nos 15 minutos finais do filme é inconsistente, cheio de lacunas e revela, infelizmente, uma certa preguiça por parte do diretor e roteirista. A capacidade de enxergar o tempo de modo não-linear, viajando entre passado, presente e futuro por meio de sua consciência e memória, adquirida pela protagonista após aprender e tornar-se fluente na língua dos alienígenas, é apressada e torna-se inverossímil. O pior é, ao apresentar um futuro que é imutável e fixo, o filme contraria sua visão de quem tempo seria circular e não-linear.

Há aqui uma certa contradição no roteiro, portanto, que prejudica seriamente a coesão da narrativa. A tentiva de deixar tudo explicadinho no final, também compromentem a qualidade do filme, assim como aconteceu com Interestellar, outra ficção científica que tinha tudo para ser impecável. No entanto, ao final, Arrival sai-se melhor do que Interestellar exatamente por não entregar-se oa sentimentalismo barato ou ao pieguismo, pois moral que ele oferece é mais dura do que edificante.

A CHEGADA (Arrival, 2015)
Direção: Denis Villeneuve
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg.
Indicado ao 9 Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro.
Minha nota: ★★★★★★★★☆☆

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