O Ciclo do Desejo

Por que "A Primeira Noite de um Homem" é um filme melhor que os 3 "Se beber não case" ou outras comédias lançadas recentemente? De acordo com Sócrates, antes de fazer esse tipo de pergunta, deveríamos fazer a seguinte indagação: O que é comédia?  Antes de responder à essa pergunta, quero dizer que, apesar de o primeiro "Se beber não case" ser bom, suas continuações são meros "caça-niqueis" repetitivos e nada originais, assim como grande parte dos filmes lançados hoje em dia. Dito isso...

Acho o filme "A Primeira Noite de um Homem" não apenas engraçado, mas também inteligente. É um comédia e também um drama, que em sua cena final deixa-nos aquela questão: "Eu consegui! Bom, e agora?". Assim é a vida. Se o que nos move, como dizem os filósofos, não são as respostas, mas as perguntas, eu complemento dizendo que, do mesmo modo, o que nos move é o desejo de posse, não a posse propriamente dita.

Podemos aqui inserir uma análise do personagem com base na teoria freudiana. Ele dizia que A descoberta de que diferentemente do restante da fauna do planeta, o animal humano não possui um objeto fixo com o qual saciar seu desejo sexual. Freud usava o conceito de "objeto" para designar qualquer pessoa, objeto ou atividade capaz de satisfazer o os desejos e/ou as pulsões instintivas do indivíduo. Para ele, o primeiro objeto na vida do bebê capaz de satisfazer seu desejo e/ou sua pulsão instintiva era o seio materno. Posteriormente, o  objeto de satisfação do instinto passa a ser a própria mãe como pessoa . E, à medida que a criança cresce, outras pessoas tornam-se objetos de satisfação do instinto. Em outra teoria freudiana, á do Complexo de Édipo, todos nós teríamos desejos sexuais (instintivos portanto) reprimidos em relação aos nossos pais. Ora, olhando por este prisma, o que seria o desejo de Benjamin por Mrs. Robinson senão uma projeção do desejo edipiano pela mãe? E o que é o posterior desejo de Benjamin pela filha de Mrs. Robinson senão uma transferência desse desejo pelo objeto Mrs. Robinson para outro objeto, possivelmente por meio de uma superação daquele desejo edipiano?

Lacan, partindo dos pressupostos colocados por Freud, desenvolveu a teoria do 'objeto a'. Segundo ele, é precisamente essa ausência de um objeto fixo que provoca o nossos desejos. Como não temos um objeto de desejo previamente estipulado, os demais objetos que estão disponíveis nos são oferecidos pela cultura, não pela natureza. A cultura é quem nos diz (ou dita) o que querer, o que desejar. O conceito de objeto a é criado por Lacan para materializar essa ausência de um objeto naturalmente adequado e previamente estipulado. Nós sempre estamos nos relacionando com objetos parciais, isto é, com representações incompletas de pessoas, coisas e situações (é como na fenomenologia de Husserl). Em nossa ilusão particular, na nossa relação com o mundo está cimentada, não passamos de bebês que desejam ardentemente o seio da materno porque o consideram uma parte perdida de si mesmos. E é  exatamente essa pedaço perdido de nós mesmos que buscamos ao em outros objetos, ao longo de toda a nossa vida. Para Lacan, esse pedaço perdido de nós mesmo é um objeto que, por sua ausência, se faz presente. É o objeto a.

A apatia e a falta de um "obscuro objeto de desejo" do Benjamin no começo do filme, é que o leva a cair numa monotonia agonizante, monotonia essa que depois o leva, relutantemente, a se envolver com a Mrs. Robinson. Mas é a filha dela que despertará nele aquela chama. O desejo de tê-la é que o fará sair de sua zona de conforto e enfrentar meio mundo, interrompendo um casamento, para ter sua amada nos braços. Depois os dois entram no ônibus, sentam-se, e ele nos olha com aquele olhar, fazendo aquela pergunta. É como se um ciclo se encerrasse.

O filósofo alemão Nietzsche desenvolveu a teoria do 'eterno retorno'. Em sua obra A Gaia Ciência, ele coloca a seguinte questão:

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: 'Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência (...) A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!. "

O ciclo que Benjamin parece encerrar quando entra no ônibus é um ciclo dialético, que vai do jovem a procura de um sentido na vida, que depois é confrontado pelo desejo sexual, de um lado, e pela vida planejada pelos pais, de outro, e que depois encontra na jovem filha de sua amante a sua síntese, a sua resposta. Porém, uma vez que a resposta é encontrada, surgem novas questões. Uma vez que o objeto de desejo é possuído, o desejo é projetado noutro objeto. É a tomada de consciência do eterno retorno que se engendra. É a vida. E para Aristóteles, as comédias são exatamente isso: estórias que nos falam da continuidade da vida. Enquanto que, as tragédias, seriam aquelas que falam da inevitabilidade da morte.

Para finalizar, cito Miguel de Cervantes:
"O amor não é senão o desejo; e assim, o desejo é o princípio original de que todas as nossas paixões decorrem, como os riachos da sua origem; por isso, sempre que o desejo de um objeto se acende nos nossos corações, pomo-nos a persegui-lo e a procurá-lo e somos levados a mil desordens."



A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM
(The Graduate)
Data de lançamento: 21 de dezembro de 1967 (Nova York)
Direção: Mike Nichols
Elenco: Dustin Hoffman, Anne Bancroft, Katherine Ross, Buck Henry
Roteiro: Mike Nichols
Música: Simon e Garfunkel, Dave Grusin
Prêmios: Oscar de Melhor Diretor

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