O Anjo Exterminador

"O inferno são os outros." (Sartre)


 Numa mansão, é preparado um jantar que será servido a aristocratas após um concerto. No entanto, por alguma razão, os empregados da mansão estão tentando fugir ao convescote noturno, mesmo correndo o risco de serem demitidos. Os convidados chegam, todos juntos, em smokings, peles e echarpes. Sentados em torno da mesa, conversam frivolidades, fofocam. O anfitrião faz um brinde. Como num 'deja vu', o brinde surrealmente se repete. A anfitriã anuncia o primeiro prato da noite, mas o empregado tropeça enquanto trazia a bandeja para mesa, levando os convidados às gargalhadas. A dona da casa, embaraçada, vai até a cozinha admoestar seus criados. E, surrealmente, há um urso e meia dúzia de ovelhas dentro da cozinha. O jantar segue, e depois de terem se saciado, os convidados se reúnem na sala. Os homens, em grupo, fumam seu charutos, ao som do piano tocado por uma das mulheres, enquanto o restante delas conversa. Situações inusitadas e surreais se repetem, até que alguém sugere que está na hora de irem todos para suas casas. Mas por alguma estranha razão eles não saem - ou não conseguem sair - daquela sala. E ali vão ficando, mesmo não havendo nenhuma barreira real ou concreta que os impeça. Dormem esparramados pelas poltronas e pelo chão. Os dias passam, a comida e a água acabam, e aquela cordialidade frágil que todos demonstravam começa a dar lugar à barbárie. Ameaças, acusações, agressões, choros desesperados. Aqueles ilustres membros da elite revelam suas pulsões animalescas das piores formas possíveis.


Assim é essa obra-prima do cineasta espanhol que, no início de sua carreira, trabalhou com o genial pintor Salvador Dali, tendo sido profundamente influenciado pelo surrealismo. Mas, qual o  significado disso tudo?
 

Desde o começo, o diretor parece querer mostrar, por meio de seus personagens, que o comportamento polido e cordato não passa de uma máscara, uma convenção social. Apesar de elegantes, bem vestidos e aparentemente cultos, em vários momentos eles demonstram a fragilidade dessa máscara que carregam, falando mal uns dos outros em cochichos discretos, ou insinuando-se lasciva e displicentemente. O que os impede de abrir mão dessa artificial civilidade e atirar-se aos seu instintos mais primitivos? Qual é o limite, o muro, a cerca, que separa o animal selvagem do homem domesticado? As roupas, as regras de etiqueta, as normas sociais? 


Seriam essas amarras fortes o suficiente para manter nosso bicho enjaulado por debaixo de nossa pele? São essas perguntas que o cineasta parece lançar em sua obra. A sala na qual eles se veem presos nada mais seria do que a representação desse espaço onde o animal interior de cada um está encarcerado. Assim como aqueles artifícios que o aprisionam para que a máscara da civilidade seja envergada, as barreiras que prendem os convidados naquela sala são frágeis, invisíveis e - talvez até - ilusórios. Ao mesmo tempo que os limites sociais-culturais-psicológicos impostos as instintos vão sendo destruídos pelo personagens, o mesmo acontece com a sala que os enclausura, e assim eles vão caindo cada vez mais na barbárie. É só depois de reconstruírem a sala e seus limites sociais-culturais-psicológicos, é que eles conseguirão sair daquela situação absurda.

O ANJO EXTERMINADOR
(El Ángel Exterminador)
Data de lançamento: 16 de dezembro de 1962 (Espanha)
Duração: 1h e 35min.
Direção: Luis Buñuel
Elenco: Silvia Pinal, Enrique Rambal, Jacqueline Andere, Jose Baviera...
Roteiro:  Luis Buñuel e Luiz Alcoriza

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