Glória Tardia

Preste atenção: na obra de todo grande cineasta, há determinadas temáticas ou questões que sempre subsistem, que estão por trás de tudo e tornam coesa mesmo uma obra caracterizada por filmes que aparentam não terem nada em comum uns com os outros além daqueles aspectos estéticos que são a marca mais visível de todo grande diretor.

Já me dediquei aqui, no Filmow, e em meu blog, a desvendar quais são as questões e temas que afligem estes artistas, a deslindar os segredos contidos no profundo suas narrativas. No caso de Clint Eastwood, esses temas ou questões presentes em todos os seus filmes são:
1 - Finitude e Livre Arbítrio. Personagens que se defrontam com algo tipo de fim (com a morte, a velhice, a separação, etc) e com as escolhas que ele deverá fazer por causa desse ''confronto''.
2 - Obstinação e Redenção. Personagens que se deparam com aquela que eles acreditam ser a grande chance (de ser feliz, de ter sucesso, de realizar um sonho, de se vingar, etc) de suas vidas e a ela se atiram com tudo, sem olhar para trás.



No caso de, por exemplo, Cowboys do Espaço, Eastwood conta a história de velhos astronautas da Nasa que, julgando não terem obtido o reconhecimento e a notoriedade em sua juventude, decidem volta a ativa para uma missão que só eles poderiam realizar: consertar um satélite da época da Guerra Fria que nenhum dos técnicos atuantes sabe mais com funciona porque é praticamente uma ''peça de museu''. Realizar essa missão passa a ser, para eles a chance de obterem um reconhecimento e uma certa fama que eles julgam merecer ou com os quais sonham.

Eu poderia fazer esse tipo de análise de todos os filmes dele a parti daqueles dois pontos elencados acima, mas me deterei no filme Menina de Ouro, pois é o que interessa-me nesse comentário. Nele, temos nos 2 personagens que centrais, interpretados por Hillary Swank e Clint Eastwood. Ambos preenchem perfeitamente os 2 pontos supre-citados.

Frankie Dunn (Clint Eastwood) é um treinador de boxe turrão e durão, dono de uma academia onde treinam jovens aspirantes a boxeadores. A finitude com qual ele se defrontam é separação da única filha, com a qual há anos não tem contato e que há anos recusa seus tentativas de contato; e a velhice, que simboliza o fim do ser, do homem, de uma trajetória, de uma histórias, de sonhos a muito abandonados - tudo isso impresso nas marcas em seu rosto de na dor que esconde em seus rosto taciturno. As escolhas que ele terá de fazer serão, no começo, entre aceitar treina-la ou não, afinal, como ele mesmo gosta de repetir, ''I don't train'girls''. A chance à qual ele se agarra é de treinar a ainda jovem Maggie e tentar, com ela, corrigir os erros cometidos com sua filha e assim buscar, para si, algum de tipo de redenção ou perdão.

Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), por seu turno, é a mulher de 31 anos que, de família pobre, trabalha como garçonete e nas horas vagas, gastando as poucas economias, segue buscando a realização do sonho de se tornar uma boxeadora. A noção de fim com o qual ela se defronta é, inicialmente, o fato de estar envelhecendo e ver se sonho cada mais distante e inalcançável; posteriormente, e essa noção torna-se exatamente ela, a morte, o derradeiro fim. As escolhas, no seu caso, são, num primeiro momento, desistir ou seguir em frente; e depois passa ser a de seguir vivendo ou não. A chance à qual ela se apega com todas as forças é de ser treinada pelo veterano Dunn e assim realizar o sonho de ser uma boxeadora renomada.

Contudo, o filme também pode ser visto com uma grande homenagem ao Western, genero cinematográfico no qual Eastwood iniciou a carreira e ao qual já havia prestado honras no belíssimo Os Imperdoáveis, que lhe rendeu o primeiro par de Oscar. Em Menina de Ouro basta trocar o ginásio de boxe por uma cidade do velho Oeste, as luvas por pistolas, os tenis por botas com esporas, e os ringues por cercas de madeira e estradas empoeiradas. Aí veremos o velho xerfie tentando esquecer o passado, carregando com resignição de todos crimes que não conseguiu impedir e de todas as mortes que causou; veremos o velho pistoleiro honesto, que um dia levou um tiro que o impediu de ser tão rápido quanto seus adversários ou tão rápido quanto sonhava. Por fim, temos o jovem destemido que sonha ser o gatilho mais temida do oeste. A diferença que, neste caso, temos uma mulher que sonha ser o soco mais temido no mundo do boxe feminino.

Enfim, Menina de Ouro, tal como os melhores filmes do mestre Eastwood e como todos os filmes de todos os grandes realizadores do cinema, possui incontáveis camadas a serem desvendadas e apreciadas por quem ama a Sétima Arte.

MENINA DE OURO (Million Dollar Baby, 2004)
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Clint Eastwood, Hillary Swank e Morgan Freeman.
Prêmios: Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante.

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