Custer, o falso herói

Em 1941, ano em que este foi foi lançado, o mundo encontrava-se envolvido na Segunda Guerra Mundial e o cinema era, tantos nos países Aliados quanto naqueles do Eixo, uma arma que cumpria vital função de unir o povo, inflando-lhe o ardor nacionalista e conclamando-o a lutar pela vitória e apoiar os seus soldados. O filme de Raoul Walsh, neste contexto, desempenha este papel oferecendo ao público um herói de guerra que seja um modelo a ser seguido e um exemplo a ser admirado. Para isso, no entanto, ele abandona qualquer compromisso com a mínima veracidade histórica, romancendo a vida do biografado e criando sobre ele uma aura mítica.

George Armstrong Custer (1839 – 1876) foi um oficial do exército estadunidense que lutou na de cavalaria durante a Guerra Civil Americana (1761-1765) e as Guerras Indígenas (1788-1890). A apesar da imagem de herói destemido, nobre e incorruptível, que se tentou construir sobre ele, neste filme e outros como Os bravos não se rendem (Custer of the West, 1967), Custer era na verdade um homem ambicioso, inescrupuloso e oportunista, que fez carreira rápida no exército porque tinha os contatos certos e porque não hesitava em bajula-los ou em colocar seus comandados em risco para obter uma vitória.

No filme Walsh, o Custer interpretado por Errol Flynn é tão real quando os personagens ‘Ned Sharp’ (Arthur Kennedy) e ‘California Joe’ (Charley Grapewin), ambos inventados pelos roteiristas Aeneas MacKenzie e Lenore Coffee. Já o General Philip H. Sheridan (John Litel), famoso autor da frase “O único índio bom é o índio morto” (que inspirou Bolsonaro a compor sua máxima "bandido bom é bandido morto") no filme de Walsh é fantasiosamente transformado em tio da futura esposa de Custer, de modo que a jovem Elizabeth Bacon (interpretada por Olivia de Havilland), ao contrário do que o filme mostra, nunca esteve em West Point para visitar o "tio" Phil Sheridan.

Além disso, ele não era o Comandante da Academia de West Point quando Custer lá ingressa, como mostrado no filme. Liberdade maior, no entanto, é tomada em relação ao General Winfield Scott (Sidney Greenstreet) que no filme se torna amigo e protetor do ainda jovem cadete Custer quando este cede ao general a única porção de cebolas existente no restaurante do Estado Maior da U.S. Army, em Washington, onde eles acabaram de se conhecer.

Errol  Flynn como o general Custer no filme de Walsh.


Aos 18 anos entrou em West Point, a prestigiada Academia Federal de Educação Militar, formando-se 4 anos depois como o último da sua classe em 1861, recebendo a patente de segundo-tenente. Neste mesmo ano teve início a Guerra Civil, na qual Custer lutou ao lado dos "nortistas" contra as tropas confederadas do sul. A Batalha de Bull Run, em 21 de julho daquele ano, próximo de Washington, D.C., foi sua iniciação na guerra.

No ano, aos 23 anos, Custer recebeu um "brevet" de general de brigada.Uma semana depois, na Batalha de Gettysburg, ele lideraria o 1.º Regimento de Cavalaria de Michigan em um ataque contra outra tropa confederada que levava reforços aos seus companheiros, no que ficou conhecido como o ataque de Picket. Na batalha Custer perdeu 257 homens, a maior que se tem notícia nos anais da Cavalaria dos EUA. Esse alto número de baixas não foi algo incomum entre as tropas comandadas por Custer, já que ele não hesitava em sacrificar seus comandados para obter uma vitória e fazer sua fama.

Em 13 de setembro de 1863 foi ferido na batalha de Culpeper, na Virgínia, recebendo no ano seguindo uma comendação por bravura, além de uma promoção temporária à patente de major-general. Em abril de 1985, quando o general confederado Robert E. Lee se rendeu para Ulysses S. Grant (futuro presidente dos EUA, entre 1869 e 1877), Custer estava entre as tropas nortistas ali presentes. Na conclusão da Campanha de Appomattox (março-abril de 1865), onde ele e suas tropas desempenharam um papel fundamental, Custer estava presente

Terminada Guerra Civil ou de Secessão, com a vitória do Norte sobre o Sul, a reunificação do país e a abolição da escravidão nos Estados Unidos da América, Custer permaneceu no exército, primeiro como capitão, posteriormente alçado, em 1866, a tenente-coronel no 7º Regimento de Cavalaria, tornando-se comandante do Forte Lincoln. Em 1867 dirigiu para o Oeste, designado para para combater os índios que impediam o avanço dos colonos brancos. Em 1868 as tropas de Custer massacraram uma tribo Cheyenne em Washita River. Há anos o governo estadunidense tentava adquirir a região conhecida como Black Hills que, por causa de tratados assinados anos antes, pertencia aos índios, para os quais era terras sagradas. Não era, portanto o amigo dos índios, nem de Cavalo Louco (Anthony Quinn), muito menos defensor do direito desses povos às suas terras, como o filme de Walsh desonestamente quer nos fazer crer.

Na verdade, foi ideia de Custer espalhar o boato de havia ouro na região, provocando uma migração em massa de centenas de colonos, com suas famílias. Inconformados, índios Cheyennes, Arapaho e Sioux (estes Lakotas e Dakotas) uniram-se sob a liderança dos lendários Touro Sentado e Cavalo Doido e passaram a atacar os invasores brancos para defender suas terras. Os constantes ataques de Custer e seus homens à tribos indígenas, e a tática por eles escolhida de atacarem os acampamentos quando os guerreiros não estavam presentes, liquidando impiedosamente mulheres e crianças, só fazia aumentar a ira dos indígenas.

No 25 de junho de 1876, após levar seus homens em direção aos índios, que então formavam um exército rebelde com mais de 3 mil guerreiros, Custer e seus pouco mais de 300 comandados (incluindo dois de seus irmãos, mulheres e crianças) viram-se combatendo os índios na Batalha de Little Bighorn, no Território de Montana. No final, o saldo de Custer foi 268 mortes, incluindo ele seus irmãos, além de 55 feridos.

A história de Custer e da fatídica Batalha de Little Big Horn já foi contada em diversos outros filmes, como Trilha para Santa Fé (Santa Fe Trail, 1940), dirigido por Michael Curtiz; Olhando a Morte de Frente (Rocky Mountain, 1959), Touro Sentado (Sitting Bull, 1954),  O Grande Guerreiro ( Chief Crazy Horse, 1955), O Fantasma do General Custer (7th Cavalry,  1956), O Grande Massacre (The Great Sioux Massacre, 1965),  Assim Morrem os Bravos (The glory guys, 1965). 

Os melhores, no entanto, são o filme Pequeno grande homem ( Little Big Man, 1970), dirigido por Arthur Penn e estrelado por Dustin Hoffman; e o telefilme produzido pela HBO, Enterrem Meu Coração na Curva do Rio (Bury My Heart at Wounded Knee, 2007), estrelado por John Cusack, Ainda Quinn e Anna Paquim.

O INTRÉPIDO  GENERAL CUSTER (They Died with Their Boots On, 1941)
Data de lançamento: 21 de novembro de 1941 (EUA)
Direção: Raoul Walsh
Música composta por: Max Steiner
Edição: William Holmes
Roteiro: Aeneas MacKenzie, Lenore Coffee

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