Fantasias Paralelas

Quem a pensa que a única semelhança entre filmes de Guillermo Del Toro é a presença de monstros e seres mágicos em uma história repleta de fantasia e imaginação, precisa olhar a obra do diretor mais a fundo. Neste texto, proponho analisarmos as semelhanças entre os dois melhores filmes do diretor até aqui:
O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno, 2006)
A Forma da Água (The Shape of Water, 2017)

A inspiração
Em primeiro lugar, enquanto O Labirinto do Fauno o roteiro faz uma releitura de Alice no País das Maravilhas, em A Forma da Água o diretor parece se inspirar em A Bela e a Fera para escrever seu roteiro.

O contexto histórico
O primeiro filme se passa na Espanha durante a Guerra Civil, durante a qual aquele país estava dividido entre os apoiadores do General Francisco Franco (conservadores, falangistas e fascistas), e seus opositores (socialistas, comunistas e anarquistas). Por seu turno, o segundo filme se passa nos Estados Unidos durante a Guerra Fria, na qual boa parte do mundo estava dividida em dois polos hegemônicos: de um lados os Capitalistas, aliados dos EUA, e de outro os socialistas e comunistas, aliados à URSS. Ambos, portanto, são ambientados em contextos históricos caracterizados por forte polarização política e ideológica.




As protagonistas
Ambos os filmes são protagonizados por mulheres com características físicas muito semelhantes: brancas, de baixa estatura, de porte físico frágil, cabelos negros à altura dos ombros, sempre trajando roupas com tons entre verde e azul claros. No primeiro filme, a protagonista é a menina Ofélia (Ivana Baquero) que, apesar de não ser muda, não pode revelar a ninguém a missão que o misterioso fauno lhe incumbe. No segundo, a protagonistas é Elisa (Sally Hawkins), um jovem e solitária mulher que não fala, apesar de não ser surda. No laboratório no qual ela trabalha como faxineira há uma criatura aquática que foi capturada na Amazônia e que é mantida como um segredo de Estado. A relação que ela desenvolverá com este ser misterioso será o segredo que ela não poderá revelar a qualquer um.

Anjos da guarda
A única pessoa na qual Ofélia pode confiar é Mercedes (Maribel Verdu), uma mulher forte e corajosa que a protege do temido e sádico capitão Vidal (Sergi Lopes). As única pessoas nas quais Elisa confia são Zelda (Octavia Spencer), uma mulher forte e corajosa que a protege do temido e sádico agente federal Strickerland (Michael Shannon).

Um outro olhar
Nos dois filmes de Del Toro, ao contrário do que possa parecer, o elemento fantástico funciona não como mecanismo de fuga da realidade dura e opressora, mas como lente com a qual a realidade é vista de uma perspectiva crítica e questionadora.



Outsiders
Em O Labirinto do Fauno, a menina Ofelia transitava entre seres mágicos que somente ela parecia poder ver. Porém, tanto para ela quanto o espectador, essas duas realidades pareciam fundir-se, em vez de existirem em planos separados. O mesmo ocorre em A Forma Água, porém de um modo ainda mais complexo, pois nele tantos criaturas reais e - que seriam para nós - imaginárias convivem em um mesmo plano. Porém, a incomunicabilidade que Elisa e O Ativo (Doug Jones) compartilham faz com que eles vivenciem uma realidade que lhes seria exclusiva. Essa realidade é a tal "forma da água", a realidade e incompreensões que os envolve, o mundo de silêncios em que ambos estão mergulhados. Assim, em ambos os filmes os diretor nos questiona: O que é de fato essa tal realidade? Para a humana Elisa, tratada por quase todos como alguém insignificante, discriminada por sua deficiência, o único que lhe compreendeu e lhe aceitou foi um ser não-humano. O que é ser humano, afinal?

Há ainda outros pontos de similaridades entre os filmes que poderiam ser destacados, mas prefiro deixar que vocês a tentem perceber por si mesmo.

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