Um certo homem errado

Como mostrou o historiador britânico Eric Hobsbawm na obra A Era dos Extremos, mesmo não havendo dúvidas de Hitler fosse um tirano e que ele representasse uma ameaça às potências imperialistas europeias, remanescentes do século XIX e que não haviam sucumbido à Primeira Guerra, é fato de que essas potências, isto é, Inglaterra e França, fizeram de tudo para evitar que a Segunda Guerra começasse, uma vez que, para seus governantes e seu povo, as cicatrizes da Primeira Guerra ainda eram bastante vívidas.

No capítulo 5, ele diz: "Em suma, havia um amplo fosse entre reconhecer as potências do Eixo como um grande perigo e fazer alguma coisa. [...] Contudo, o que enfraqueceu a decisão das principais democracias europeias, a França e a Grã-Bretanha, não foram tanto os mecanismo políticos da democracia, quanto a lembrança da Primeira Guerra Mundial. [...] Tanto para a França quanto para a Grã-Bretanha, esse impacto, em termo humanos (embora não materiais), foi muito maior do que se revelou o da Segunda Guerra Mundial. Outra guerra como aquela precisava ser evitada a qualquer custo. Era sem dúvida o último dos recursos da política. Não se deve confundir a relutância em ir à guerra com a recusa em lutar, embora o moral militar potencial dos franceses, que haviam sofrido mais do que qualquer outro países beligerante, estivesse sem dúvidas enfraquecido pelo trama de 1914-18."

Esse temor por parte das lideranças políticas da época é muito bem abordado no filme, conferindo-lhe um maior rigor histórico. O que o filme se exime de trazer à tona é o fato de que, além desse medo de uma nova guerra, a manutenção de seus domínios coloniais na África e na Ásia era outro fator que preocupada aquelas nações. "Os governos britânicos tinha igual consciência de um fraqueza fundamental. Financeiramente, não podiam se dar ao luxo de outra guerra. Estrategicamente, não tinham mais uma marinha capaz de operar ao mesmo tempo nos três grandes oceanos e no Mediterrâneo. Ao mesmo tempo, o problema que de fato os preocupava não era o que acontecia na Europa, mas como manter inteiro, com forças claramente insuficientes, um império global, geograficamente maior do que jamais existira. mas também visivelmente à beira da decomposição", esclarece-nos Hobsbawm.

"Nenhum tinha nada a ganhar com a guerra, e muito a perder". De fato, foi o que aconteceu. Ao final da Segunda Guerra, a França viu-se tendo que lutar contra os rebeldes na Indochina que lutavam por sua independência, culminando na Guerra da Indochina (1946-1954) e posteriormente na Guerra do Vietnã (1955-1975). O Reino Unido britânico, por seu turno, teve que em 1947 conceder, depois de muita relutância e repressão, a independência à Índia liderada pelo lendário pacifista hindu. Basta assistir ao filme Gandhi (de 1982), que deu a Ben Kingsley o Oscar, para conhecer essa parte história.

Churchill, um político conservador de origem aristocrática, descendente do Duque de Marlborough, era, naquele momento indesejado, o homem que ninguém queria, ocupando um cargo que poucos teriam a coragem de ocupar e tomando as decisões que poucos teriam a coragem de tomar. Ao longo da vida, colecionou fracassos, como na Primeira Guerra, quando nas funções de Primeiro Lorde do Almirantado, acabou tendo que renunciar após a desastrosa expedição dos Dardanelos e vexativa derrota em Gallipoli. Se tornou o único primeiro-ministro britânico a ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura e a cidadania honorária dos Estados Unidos.

O Destino de uma Nação, assim, é um brilhante estudo de personagem e, apesar de soberba, a atuação de Gary Oldman não é a única qualidade do filme, que possui muitas outras. Nem a direção, nem o roteiro nem o intérprete caem na tentação de mostrar um Churchill idealizado, exagerando suas qualidades e mascarando suas falhas. Ao contrário, exploram tantos suas virtudes como seus defeitos, contribuindo para construir um personagem sólido exatamente por ser ambíguo, multifacetado, idiossincrático. Kristin Scott Thomas está esplêndida como Clementine Churchill, trazendo doçura e leveza ao filme e fazendo um belo contraponto à todo peso e toda a fúria (literais e metafóricos) do Winston de Gary Oldman.



A fotografia, soturna e sombria, expressa com perfeição o horizonte sombrio que aguardava a todos, independente das decisões tomadas, uma vez que a Segunda Guerra impingiu grandes perdas a todos os envolvidos, vencedores e vencidos. Além disso me surpreendeu positivamente pelos enquadramentos inusitados, porém eficientes, como aquele em que a câmera parece estar dentro da máquina datilográfica, por exemplo. A relação dele com a jovem secretária e as cenas dentro do bunker me fizeram lembrar o filme A Queda - As Últimas Horas de Hitler (Der Untertang, 2005), no qual o fuhrer era interpretado magistralmente por Bruno Ganz.

Como havia feito em Desejo e Reparação (Atonement, 2008), Joe Wright mais vez faz uso dramático desta máquina durante alguns momentos, incorporando o som das teclas ao da trilha musical. Porém, enquanto neste filme o compositor era Dario Marianelli, com o qual ele havia trabalhado também em Orgulho e Preconceito (Proud and Prejudice, 2006), desta vez ele recruta Alexandre Desplat, que entrega, como de costume, uma trilha sutil e minimalista, contribuindo eficientemente para criar a atmosfera de constante tensão que permeia todo filme. Aliás, Desejo e Reparação também era ambientado na Inglaterra durante o começo da Segunda Guerra e uma das cenas mais memoráveis é aquela em que personagem de James McAvoy chega na praia de Dunkirk e se depara com todo o inferno que os nazistas haviam causados ao exército britânico.

O roteiro nos brinda com diálogos tão afiados que fazem dos debates políticos o campo de batalha no qual a guerra se prenuncia. No entanto, os silêncios dizem muitas vezes mais que as palavras e eles são sabiamente valorizados pelo diretor. O restante do elenco contribui para engrandecer ainda mais o filme, não deixando de entregar ótimas atuações mesmo em personagens pequenos e menos significativos.

O Destino de uma Nação (The Darkest Hour, 2017)
Direção: Joe Wright
Elenco: Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn e Lily James.

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