Bastardos Poliglotas

Bastardos Inglórios não é só um filme sobre vingança. Bastardos Inglórios não é igual a todos os filmes do Tarantino - e ainda que o fosse, estaria necessariamente desprovido do qualidades? Todavia, trata-se de um filme no qual Tarantino demonstra notável evolução, indo além do seu arsenal corriqueiro (os filmes B de artes marciais, por exemplo, e elementos a cultura pop, como músicas da Madona), dotado de nostalgia e saudosismo, e parte para uma temática dita mais "séria", já explorada à exaustão pelo cinema de arte, especialmente na profundamente semita hollywood: o nazismo e o holocausto. Neste seu filme, Tarantino burla radical e malandramente a norma dos filmes desse gênero, inserindo um humor mais ácido que aquele no qual Benigni mergulha o seu A Vida é Bela (La Vita è Bella, 1997). E o faz demonstrando impressionante, ousado e fluente uso da linguagem em suas variáveis através da linguagem que já provara dominar anteriormente: a cinematográfica.

Quando assistimos a qualquer sob o holocausto e os horrores cometidos pelos nazistas, a despeito da satisfação causada pelo deleite de uma obra artística, sentimo-nos tristes, pesados, incompletos, por mais que o final seja tecnicamente feliz, como acontece em A Vida é Bela, por exemplo. Falta-nos a catarse propiciada pela punição dada ao vilão. Em geral, não torcemos apenas para que o herói/protagonista saia-se bem. Torcemos também para o vilão/antagonista se F#@#$§#@&%&%!

O problema de filmes baseados em fatos reais, como o caso daqueles que abordam o holocausto, é a necessidade de certa atenção aos fatos históricos. Em se tratando de filmes baseados em histórias reais, essa limitação à realidade (ou à sua versão) é ainda maior, como é o caso dos soberbos O Diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank, 1959), A Lista de Schindler (Schindler's List, 1993) e O Pianista (The Pianist, 2002). Em se tratando de vilões tão monstruosos, temíveis e execrados como os nazistas, essa certa sede de vingança se torna ainda maior e, consequentemente, tanto maior tem sido o sabor da decepção, a cada filme em cujo final vemos vilõess escaparem sem punição, como aconteceu com Menghelle e Hitler, por exemplo, cujos reais paradeiros após a Segunda Guerra até hoje não passam de hipóteses almejando o status de teoria.

Por escolher trabalhar com um roteiro original, escrito por ele mesmo, Tarantino, quebra este pacto com a veracidade histórica para nos entregar aquela ansiada catarse. O simples fato de a cúpula nazista, em seu filme, ser massacrada dentro de um cinema é, por si só, um mote brilhantemente, mas arriscado. Afinal, é historicamente verificável que muitos nazistas não receberam nenhuma punição por seus crimes e seu paradeiro é incerto. A cena final do filme, portanto, proporciona ao expectador uma catarse adiada por mais de 50 anos e que a realidade e a história jamais poderiam dar: a vingança final, sangrenta e insana, contra os detestáveis nazistas. E essa catarse, porém, que só foi possível por meio de um filme, acontece dentro de um cinema, o cinema administrado por uma mulher judia sobrevivente - enfim, temos aqui a metalinguagem.

Não bastasse isso, durante todo o roteiro Tarantino brinca com a linguagem, fazendo das palavras e dos sentidos ocultos nos signos, símbolos e sinais que usamos constantemente para nos comunicar, tornarem-se o centro da ação e da tensão no filme. Um exemplo é a cena em que o personagem de Fassbender pede mais alguns copos de cerveja e, pelo como como sinaliza com os dedos a quantidade, acaba acidentalmente entregando sua identidade oculta. Outro exemplo é a maistral cena inicial, na qual o Cel. Hans Landa (Christoph Waltz) conversa com o fazendeiro Monsieur Lapadite em francês, em inglês, e depois o persuade, usando apenas os olhos, a delatar o esconderijo da família judia que esconde.

Com esse filme, portanto, vemos que Tarantino amadureceu, e ainda que esteja para brincadeiras, elas não são banais, nem tolas. Au contraire!

BASTARDOS INGLÓRIOS
(Inglourious Basterds)
Data de lançamento: 28 de julho de 2009 (Alemanha)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Michael Fassbender, Eli Roth, Diane Krueger, Christoph Waltz e Melánie Laurent
Roteiro: Quentin Tarantino
Narração: Samuel L. Jackson
Prêmios: Oscar de Melhor Ator Coadjuvante

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