O Mal Necessário

Os Brutos também Amam é possivelmente o faroeste mais amado de todos. Dirigido pelo cineasta George Stevens (de Um Lugar ao Sol, O Diário de Anne Frank e Assim Caminha a Humanidade) encantou gerações, tornando-se uma lenda e gerando em torno de si uma espécie de culto.

Pela direção magistral, pela fotografia que deslumbra e pelos atores em sua melhor forma, mas, sobretudo, pelas imagens que nos legou: a torta de maçã tenra, dourada, quente, sendo servida após o jantar; o cervo que, parado sobre um espelho d'água, observa a paisagem; o forasteiro errante que chega sem aviso e fica, tomado por um inesperado senso de justiça; o olhar deslumbrado do menino do rancho ante a bravura deste forasteiro; o vilão misterioso, trajado de preto, magro, alto, exibindo uma pistola de cada lado da cintura; ou o cavaleiro que parte e já cavalga ao longe, na direção das montanhas rochosas cujos cumes nevados emolduram o horizonte.... enfim, um clássico absoluto.

Porém, para além de suas qualidades artísticas e fílmicas, este precioso filme é, ele todo, um libelo humanista, uma declaração de fé na capacidade do homem de fazer o bem, e uma defesa inegável da paz e um grito anti-belicista. Mas veja, esse filme é também uma alegoria da Segunda Guerra, da qual o diretor George Stevens participou, encarando seus horrores de frente.


Tomemos a família Starret e os demais colonos como a Europa, os invasores capitaneados por Ryker como a Alemanha Nazista e Hitler. Shane é os EUA, um forasteiro - como eram os americanos na Europa - que chega para defender os habitantes locais de uma ameaça que não é estrangeira: uma vilão que também é nativo e que tem como objetivo ampliar suas terras. Um vião que enxerga aqueles que não são parte dos seus e que se opõem aos seus interesses como seres inferiores, obstáculos a serem tirados do caminho.

Para muitas pessoas, todo aquele que é radicalmente diferente, moralmente, intelectualmente, culturalmente, é considerado inferior, desprezível ou burro. No filme, Ryker e seus comparsas tinham essa visão em relação aos colonos. E os alguns dos colonos deviam ter a mesma opinião a respeito do Ryker. Na Segunda Guerra, Hitler fazia esse mesmo julgamento em relação aos judeus, por exemplo. Além disso, toda a política expansionista alemã, que levou à invasão da Polonia e da França e à anexação da Áustria, era embasada no conceito de ''espaço vital'', proposto pelo geógrafo Friedrich Ratzel.

Infelizmente, durante a história humana, nossa espécie frequentemente optou pela violencia, para a agressão, para o extermínio do outro, do diferente, em vez de tentar compreende-lo, aceita-lo e ajuda-lo. Por outro lado, o outro, ao tomarmo-nos também como "o outro", muitas vezes se recusa também a aceitar, a tolerar. Aí, neste impasse, na divergência, temos a guerra, o conflito. Dizem que quando um não quer, dois não brigam. Bom, pode até ser que eles não briguem, mas para que um mate o outro, basta que um apenas queira. A vida, enfim é cruel e nada democrática.

No filme, Ryker e seus comparsas equivalem a Hitler e os nazista. São o mal maior, absoluto, total, que não pode ser redimido, curado, e precisa, portanto, ser exterminado. Shane é equivale ao exército dos EUA, que teve papel definitivo na derrota alemã. É o mal necessário, a força bruta empregada em nome de um bem maior. Mas uma força empregada não de modo gratuito e indiscriminado. Shane carrega em si uma culpa, que o corrói por dentro, pela violencia praticada em seu passado de pistoleiro. Não sabemos se essa violencia foi praticada também em nome de um bem maior, pra fazer justiça, ou não. Neste caso, poderíamos supor que o que Shane busca é alguma forma de redenção.

E Shane, ao expressar em determinada parte do filme a consciencia de que, ao usar sua arma, ele sempre causou dor pra outro e para si, indica que o diretor talvez estivesse apontando para uma questão cara ao eu país: sua condição de potencia militar, cultural e economica deu-se ao custo do extermínio dos povos nativos. Desse modo, o diretor estaria indicando ao seu  país a necessidade de uma enorme tomada de consciencia sobre seu passado, e o entendimento de que todo o bem que eles pudessem fazer entrando na 2ª Guerra e contribuindo para a derrocada Nazista, isso não os eximiria de seus crimes, mas carregaria pra sempre sua lembrança, servindo de exemplo de erro a não ser repetido.

OS BRUTOS TAMBÉM AMAM
(Shane)
Data de lançamento: 25 de dezembro de 1953 (EUA)
Direção: George Stevens
Elenco: Alan Ladd, Brandon De Wilde, Van Heflin, Jan Arthur e Jack Palance.
Prêmios: Oscar de Melhor Fotografia



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