Quando os justos não tem mais vez

Onde os Fracos não tem vez, ou, em ingles, No Country for Old Man, é um grande filme, mas sua falta de obviedade naturalmente afasta os apreciadores de obras mais "mastigadinhas".

O final, no qual o vilão não é punido, como muitos esperaram e como é tão comum no cinema hollywoodiano, deixa alguns expectadores perplexos e outros decepcionados. Essa foi uma das coisas que eu mais ouvi nas crítica ao filme feitas por aqueles que não gostaram dele, pois para muitos, o vilão precisa ter um final trágico, que moralize a história e propicie uma catarse ao expectador. Mas isso não acontece - felizmente.

E esse é dos pontos nos quais reside a força e o apelo do filme. Primeiramente, é bom ter em mente que o personagem de Josh Brolin não é o protagonista, apesar da narrativa gerar em torno dele. O principal personagem é o de Tommy Lee Jones, e toda a história é contada do ponto de vista dele, e portanto analisada sob os valores dele. É ele que passa o filme no rastro do vilão Anton Chigurh enquanto se embrenha em reflexões sobre a maldade crencente e os rumos que a sociedade tem tomado.

Em determinado momento do filme, o xerife Ed Tom Bell, interpretado com a austeridade e nobreza habituais de Tommy Lee Jones, conta a história de um fazendeiro que tentava matar um boi. Depois de várias tentativas de faze-lo do modo que sempre fizera e não obter sucesso, o fazendeiro resolve usar uma arma de fogo, mas um acidente faz com que o fazendeiro acerte um tiro em si mesmo. A conclusão do xerife é que ''eventualidades acontecem''. E são justamente a noção dessas eventualidades, dos acontecimentos não previstos, do imponderável, que permeia todo o filme.

O psicopata Anton Chigurh, por exemplo, carrega sempre consigo uma moeda com a qual define a sorte que terão aqueles que tem o infortúnio de passar pelo seu caminho. Em uma cena de magistral tensão, ele entra em uma loja de beira de estrada e, após um leve desentendimento com o balconista, mostra-lhe uma moeda e o pede para que escolha uma face. Assustado e perplexo, ele se recusa a escolher um lado, não sabendo que sua vida está em jogo. Friamente, Chigurh impõe: "Call it, friendo", ou "Escolha, amigo". No fim, Anton acaba sendo vítima de uma dessas eventualidades, ao sofrer um acidente de carro banal.

Na cena final do filme, quando o xerife visita um velho amigo que, assim como ele, havia sido um "homem da lei" e que estava numa cadeira de rodas por causa de um tiro que levou em serviço, o xerife narra um sonho que teve. Nesse sonho ele está cavalgando com seu pai, que também era xerife, numa noite escura e muito fria, e seu pai está carregando uma tocha. Esse sonho é muito simbólico e elucidativo daquela que é essência do filme: no mundo de hoje, no qual a violência se banalizou, os valores tradicionais, a moral, a retidão, estão perdidos e aqueles que os quiserem manter terão muita dificuldade em se adaptar.

Não há, enfim, lugar para gente velha, mas não no sentido cronológico, de tempo vivido, mas sim paradigmático, isto é, dos valores que carrega, da visão de mundo, de sociedade e de ser humano que ele carrega e que o orienta. É um filme duro, áspero, no qual os irmãos Coen brilhantemente expõem sua visão pessimista e cínica do mundo. Obra-prima!

ONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ
(No Country for Old Men)
Data de lançamento: 9 de novembro de 2007 (EUA)
Direção: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Tommy Lee Jones, Javier Barden, Josh Brolin e Woody Harrelson
Duração: 2h 3m
Música composta por: Carter Burwell
Vencedor de 4 Oscar
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Ator Coadjuvante
Melhor Roteiro Adaptado

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