Maior abandonado

Baseado numa história real, com o roteiro inspirado no livro de John Krakauer - o mesmo autor do livro que inspirou o filme Everest (2015), também baseado em uma história real - este filme marcante é dirigido com notável maestria pelo também ator Sean Penn, ganhador de 2 Oscar. O elenco é formidável (destaque para Hal Holbrook, como o solitário Ron Franz), a fotografia é espetacular, a edição é ágil, sem ser frenética, e a trilha sonora é uma das que eu mais amo.

O modo como o diretor Sean Penn explora as idiossincrasias do protagonista, suas feridas, dúvidas, anseios, mágoas, é exemplar, pois consegue nos dar a medida de sua obliteração interna. Christopher "Supertramp" McCandless era um jovem idealista, que cresceu em um lar disfuncional - uma típica familia de classe média norte-americana, com sua fachada aparentemente perfeita contrastando com o interior em decomposição.

A inadequação do personagem frente uma realidade social baseada em aparências, em individualismo e apreço por bens materiais, é colocada o tempo todo em relevo pelo diretor, bem como pelas canções primorosas de Eddie Vedder: "Society, your crazy breed / Hope you're not lonely without me". A busca do personagem por significado, por sentido, permanece latente durante todo o filme.



O filme é interessante, no entanto, por fazer exatamente o oposto daquilo seus fãs e seus detratores o acusam de fazer. Ele não faz uma apologia da vida solitária, da negação da vida social, ou do ideal de abandono da civilização em busca de uma vida idílica em meio à natureza selvagem. O que o filme faz justamente um ataque mortal a este ideal: o de que ele só é possível quando se tem os conhecimentos necessários para sobreviver alhures da civilização conseguindo extrair da natureza os recursos necessários à sobrevivência. Esse conhecimento, criado, aperfeiçoado e transmitido coletivamente e ao longo de gerações é parte de uma cultura que, como tal, só é transmitida no ceio de uma sociedade ou comunidade.

O sentido que ele tanto buscava, só será encontrado quando estiver na mais total solidão e tragicamente à beira da morte: "A felicidade só é real quando compartilhada". Morreu porque não possuía os conhecimentos necessários para sobreviver naquele ambiente, como caçar e posteriormente preparar a carne da presa para conserva-la e poder se alimentar dela, ou distinguir uma erva nutritiva que possa servir de alimento de uma outra muito parecida mas que é um veneno mortal, por exemplo. A cultura, como se vê, também só é real quando compartilhada.

NA NATUREZA SELVAGEM (Into the Wild, 2007)
Direção: Sean Penn
Elenco: Emily Hirsch, William Hurt, Marcia Gay Harden, Catherine Keener, Jena Malone, Kristen Stewart, Hal Holbrook e Vince Vaughn.

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