PigmaLou ou My Fair Sally?

Parece um filme sobre o crime organizado e a máfia. Parece um filme sob cassinos. Parece um filme sobre tráfico de drogas. Na verdade estes são apenas pano de fundo para uma outra narrativa. O que o cineasta Louis Malle faz neste notável filme é contar uma história torta e na ortodoxa sobre redenção, sobre o drama da finitude, sobre pessoas se apegam ao que (a chance de um futuro promissor, ou volta a um glorioso passado) consideram ser a última chance de confrontar e vencer o fracasso, e sobre a relação dialética entre o velho e o novo, entre o passado e o presente.

Sally (Susan Sarandon) é a moça ambiciosa do interior que se casou com um jovem irresponsável e imaturo para tentar vida nova na cidade grande. Para sua infelicidade, a cidade para qual se dirige é a - outrora agitada e badalada - agora decadente Atlantic City. Abandonada pelo marido, que a trocou pela irmã mais nova, ela trabalha no buffet do restaurante de uns cassinos que são cada vez mais numerosos na cidade, e tenta ascender tentando ingressar na carreira de carteadora.


Lou (Burt Lancaster) é velho que ganha a vida com loteria clandestina, vivendo de favores num dos apartamentos da viúva de um gangster do qual ele fora, no passado, uma espécia de lacaio, cumprindo, ao mesmo tempo, a função de gigolô de sua protetora. Espiando Sally todas as noites, quando ela se banha em limão ao som de "Casta Diva", Lou a deseja e anseia por tê-la em seus braços.

Tal como em Pigmaleão (Pigmalyon, 1938) ou em Minha Bela Dama (My Fair Lady, 1964), Lou ficará tentando a desempenhar para esta jovem e inexperiente moça o papel do amante mais velho e experiente que a ensina as manhas e artimanhas da vida. Mas, como Norma Desmond (Gloria Swanson) em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1951), Lou não se dá que seu sonho de glória está atrelado a um passado que não existe mais e, equivocadamente, atribui a si mesmo uma importância que não tem. Movido tanto por seu desejo por Sally, pelo apego à uma falsa noção de si mesmo e pela necessidade de afirmar sua masculinidade e virilidade, Lou irá se enveredar por um caminho sangrento, tal um Macbeth septuagenário.

É em nome dessa ilusão que, no final, ele abrirá mão de Sally e sentir-se há recompensado em viver na ilusão que criou para si, acreditando que contribuiu decisivamente para a emancipação de Sally.

ATLANTIC CITY (Atlantic City, 1980)
Direção: Louis Malle
Elenco: Burt Lancaster e Susan Sarandon
Prêmios: Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza

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