O Lobo e o Cordeiro

As pessoas, em geral, são facilmente enganadas pela aparência. Não julgar o livro pela capa, é um dito popular que todos conhecem e empregam, mas pouco realmente colocam em prática. Quando o assunto é cinema e atuação, esse paradoxo pode ser percebido sem dificuldades: muitas vezes uma atuação baseada em elementos óbvios e explícitos (como maquiagem que transforme radicalmente o ator) são mais valorizados do que atuações intimistas, profundas e baseadas em elementos mais implícitos (como olhares, gestos, pausas, silêncios...).

Isso aconteceu, por exemplo, com o desempenho de Nicole Kidman em As Horas (The Hours, 2002), que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz, quando suas colegas de cena - Meryl Streep e Juliane Moore - ofereciam, no mesmo filme, atuações muitíssimo mais sólidas. O mesmo aconteceu com Javier Barden em Onde os Fracos não tem Vez (No Countrey for Old Man, 2007), que levou inumeros prêmios, incluindo o Oscar, e é sempre lembrado pelos cinéfilos, quando a verdadeira alma do filme está nas atuações de Tommy Lee Jones e Josh Brolin.

Neste Aliança do Crime (Black Mass, 2015), o efeito hipónitico causado pela transformação à qual Johny Depp se submeteu, acaba atraindo todas as atenções e ofuscando o personagem mais importante do filme: o ambicioso agente do FBI John Connolly (Joel Edgerton), cuja presença em cena é que dá impulso à trama e faz com que as questões importantes sejam levantadas.

E que questões são essas? Ora, o conflito latente entre lealdade e moralidade, entre interesse e dever, entre profissionalismo e relações afetivas, ou os tênues limites entre ambição e risco, pragmatismo e oportunismo, entre usar e ser usado. Com isso não quero dizer que o desempenho de Depp não seja digno de honras, pois o que ele faz nessse filme vai além da sua superfície bizarramente construída.


Porém, é o agente Connolly quem terá a vida girada 360º ao longo das cerca de 2 horas de filme, que transitando entre céu e inferno, terá sua honestidade colocada à prova e irá da doce ilusão de estar no comando do jogo à amarga verdade de ser apenas um peão no xadrez. Afinal, de Jimmy "Whitey" Bulger (Depp) não esperamos nenhuma transformação ou reviravolta, não duvidamos de sua moralidade pois desde os trailers sabemos que ela é mais que duvidosa. Dele, só esperamos o pior - e o pior é que nos deleitamos com isso.

O filme é bem construído em todos os seus elementos: o elenco, a fotografia, a trilha sonora, as locações... tudo contribui para criar o clima soturno, misterioso e intimidante que o filme precisa. E os momentos de tensão são sufocantes e é neles que Depp brilha: o diálogo sobre segredos culinários de família  com o agente John Morris (David Harbor) ou a conversa com Marianne (Julianne Nicholson), esposa de Connolly.

Contudo tão importantes quando os olhares ameaçadores de Bulger, são os olhares ao mesmo tempo  mesquinhos e ingênuos, confusos e temerosos, do agente Connolly. Enquanto Bulger era lobo e sabia disso, Connolly ele era o cordeiro em pele de lobo que se pensava um lobo em pele de cordeiro. E será em torno do processo pelo meio do qual esse cordeiro tolo se reconhecerá como tal, que se concentra o filme.

ALIANÇA DO CRIME (Black Mass, 2015)
Direção: Scott Cooper
Elenco: Joel Edgerton, Johnny Depp, Benedict Cumberbacht, Juliane Nicholson, Kevin Bacon, Dakota Johnson e Jesse Plemmons.
Indicado ao Globo de Ouro e ao SAG de Melhor Ator.
Minha nota: ★★★★★★★☆☆☆

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