Questão de Personalidade

A história de Lily Elbe, a primeira pessoa a se submeter à uma cirurgia de transexualização é real. Nascida Einer Wegener, antes de se assumir como Lily, foi casada com Gerda Wegener. Ambos eram pintores/artistas pláticos e, ao contrário do que mostra o fime, não permaneceram juntos até o final. Porém, apesar da reconstituição de época (figurino, cenários, maquiagem, direção de arte) ser impecável, atuação de Eddie Redmayne é que deixa a desejar, resultando - a julgar pelas indicações aos prêmios - muito superestimada, uma vez que é cheia de maneirismos e afetação desnecessários. O excesso de gestos e olhares empregados pelo ator com o intuito de construir uma caracterização feminina resulta excessivamente caricata.

Assim, temos um protagonista que não consegue cativar, pois tanto ator quanto o roteiro e a direção preferiram fazer um retrato tristonho e depressivo de Lilly, que parece muito mais feliz quando é Einar. Desse modo, o filme acaba atirando no próprio pé, pois não nos convence de que a transformação pela qual o personagem passa tenha sido realmente algo que o realizou, que o fez mais feliz, uma vez que ele teria encontrado/assumido sua verdadeira identidade.

É oportuno esclarecer que travestis e transexuais não são a mesma coisa. Travestis não consideram ter nascido no corpo "errado" e não intentam a cirurgia de redesignação de sexo. Os transexuais, por seu turno, sim, pensam assim e tem essa ambição. E sendo a personagem de Eddie uma transexual, ela não era Einar e passou a ser Lili, mas sempre foi Lili escondida sob a falsa identidade de Einar. Desse modo, a cirurgia pela qual ela se submeteu nada mais era do que um processo que concertaria o que havia de errado em seu exterior e que estaria em desacordo com seu interior, pois nele, ela já era Lili, já era mulher. E a atuação de Eddie falha vergonhosamente nesse aspecto e não é fiel à verdadeira história de Lili Elbe, não captando sua essência.

Uma das cenas mais elogiadas do filme, na qual Einar/Lily vai à uma casa de stripptease é a que melhor exemplifica as falhas do filme. Nela, o protagonista observa a stripper ao passo que tenta absorver e emular seus gestos, trejeitos e olhares, como se a feminilidade fosse algo que ele precisasse captar, aprender ou construir, de fora para dentro, e não algo que ele já trouxesse consigo e, aos poucos, tentava exprimir, de dentro para fora.


Digna de mérito, porém, é o trabalho da atriz Alicia Vikander, que - semelhante ao que fez Jim Broadbent em Iris (2001) e Jennifer Hudson em Dreamgirls (2006) - rouba para si um filme irregular e deverá levar, no Oscar, o prêmio como Melhor Coadjuvante. Até a presença de outros coadjuvantes mais secundários como Mathias Schoenaerts e Ben Wishaw são mais interessantes que o protagonista.



O filme foi duramente criticado, no entanto, por outras razões: a esoclha de um ator cisngênero para interpretar uma figura importantíssima dentro do movimento transgênro foi a principal delas, mas também o fato do roteiro não se basear numa bioagrafia confiável de Lily e omitir o fato de que Gerda provavelmente fosse bissexual e o que se casamento com Einer sempre tivesse sido de "fachada", ou seja: uma arranjo para ocultar e proteger a sexualidade de ambos. Até a real causa da morte de Lily é omitida: rejeição ao implante de útero, feito meses depois da cirurgia de construção genital.

No entanto, a coragem do jovem Redmayne em - na medida de suas limitações - entregar-se à sua personagem, expondo-se até mesmo numa cena de nudez, talvez lhe possibilite alguma redenção e seja a melhor explicação para sua presença em premiações como Oscar, ocupando uma vaga que estaria melhor nas mãos de, por exemplo, Samuel L. Jackson (por Os 8 Odiados), Johnny Depp (por Aliança do Crime) ou Will Smith (por Um Homem entre Gigantes).

A GAROTA DINAMARQUESA (The Danish Girl, 2015)
Direção: Tom Hopper
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber Heard, Mathias Schoenaerts e Ben Wishaw
Indicado ao Oscar de Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte.
Indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Atriz em Drama.
Vencedor do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no SAG 2016.
Minha nota: ★★★★★★☆☆☆☆

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