O universo num quarto

"Tudo aquilo que o homem ignora, não existe pra ele. Por isso o universo de cada um, se resume no tamanho de seu saber." (Albert Einstein)

Jack é um menino de 5 anos que, desdeo nascimento, vive em um pequeno quarto com sua mãe. Nunca saiu dele, nem nunca viu nada além dele, exceto as imagens da televisão, que ele vê como irreais e não como compreende que sejam representações do mundo "lá fora". Para ele, o mundo todo é aquele quarto, com tudo o que ele encerra, e além dele há apenas um vácuo.

Jack não sabe que está ali porque sua mãe foi raptada há 7 anos atrás, que aquele quarto que para ele é tudo, para ela é o nada é uma não-lugar: um cativeiro, uma prisão. Sua mãe, no entanto, ama Jack, mesmo ele sendo fruto de anos de abuso sexual (estupro) por parte de seu sequestrador, o qual Jack aprendeu a chamar apenas por Velho Nick, e do qual consegue ver, nas noites me que ele visita sua mãe, apenas detalhes por entre as frestas do guarda-roupas onde Jack é por ela colocado.

E o amor de mãe faz com que Ma - como ela é chamada por seu filho - faça de tudo para que esse pequeno e restrito quarto seja o melhor dos mundos para Jack, e lhe supra, ao menos o mínimo suficiente, as necessidades naturais de uma criança nessa idade, com toda a carga de curiosidade, agitação, variações de humor, perplexidade ante as novas decobertas, que ela traz consigo.

E a cada descoberta de Jack nesse mundo - e depois fora dele - nos fascinamos com ele e nos encantamos junto com ele: o que são, de verdade, as imagens na TV, pequenino rato morto, a folha seca na clarabóia, o dente de Ma, os fios elétricos, a grama molhada, as luzes, os prédios e carros, o cachorro, as novas pessoas, os brinquedos, os amigos... E a cada novo elemento que Jack inclui em seu mundo, maior eles - Jack e o mundo - se tornam.

É um filme sobre uma criança que, como no mito de Platão, sai da caverna na qual estivera cativa e vislumbra o mundo pela primeira vez e se deslumbra a cada nova descoberta. É uma uma criança que literalmente nasce novamente, saindo de uma espaço uterino dentro do qual a única presença além da sua era a própria mãe e no qual o pai era um intruso, um invasor. 

É um filme sobre o quão relativas e até opostas podem ser a percepção de cada um sobre uma mesma coisa: o mesmo quarto que para Ma é sua prisão, da qual anseia por sair e na qual teme ficar, é para Jack seu mundo, do qual teme sair e, quando sai, anseia por voltar. O quarto que para Ma significa confinamento e ameaça, para  Jack significa segurança e conforto.

Mas é também um filme sobre uma mulher que, ao conquistar a liberdade que por anos lhe fora negada, precisa enfrentar os olhares e recriminações alheios, sobre ela e sobre seu filho, como se eles não fossem a vítimas, como se de algum modo eles fossem culpados: ela, acusada por ter tido um filho com seu sequestrador e te-lo amado e mantido consigo o tempo todo; ele, por ser - como dito acima - ser o resultado de uma relação de abuso e violencia.

Um filme complicado, duro, marcante, mas que na direção humana de Lenny Abrahamson e nas atuações soberbas de Jacob Tremblay e Brie Larson consegue deleitar que assiste sem contudo suprimir o debate que as questões levantadas pelo filme sucitam. Um filme que nos deixa, ao mesmo tempo, com os olhos marejados, o coração enternecido e alma dilacerada.

O QUARTO DE JACK (Room, 2015)
Direção: Lenny Abrahamson
Elenco: Brie Larson, Jacob Tremblay, Joan Allen, Willian H. Macy.
Indicado a 4 Oscar, incluindo Melhor Filme.
Premio de Melhor Atriz no Globo de Ouro, no SAG e no Critics Choice.
Minha nota: ★★★★★★★★★★

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